Tarifaço abre oportunidades no mercado brasileiro — mas será que vale o risco?
O dilema dos investidores com a guerra comercial passou a ser aproveitar as ações baratas ou correr para papéis mais seguros

Na história do mercado financeiro, alguns acontecimentos específicos geraram oportunidades para que os investidores mais espertos embolsassem muito dinheiro. O dia 2 de abril de 2025 foi uma dessas datas marcantes. Do seu púlpito presidencial, montado no Jardim das Rosas da Casa Branca, Donald Trump cumpriu o prometido ao longo da sua campanha e aplicou formalmente uma tarifa de 10% para importações de todo o mundo, além de cobranças ainda mais altas para certos produtos e para dezenas de países com os quais os Estados Unidos têm um déficit comercial. As bolsas de valores responderam prontamente, com enorme volatilidade, em um fogo cruzado que derrubou o preço das ações a ponto de deixar opções ótimas e baratas à disposição dos investidores — mas que também acelerou uma busca por proteção enorme, como não se via nos últimos anos.

No dia seguinte ao anúncio do “tarifaço” de Trump, o valor dos ativos americanos despencou. Antes queridinhas do mercado, ações de empresas diretamente afetadas pelas tarifas e por fatores políticos, como a montadora de carros elétricos Tesla, afundaram. O petróleo, cuja demanda é um indicador de atividade econômica, também caiu. O Ibovespa, principal índice da B3, acompanhou o movimento nos primeiros dias da guerra comercial e tombou quase 3%, para depois se recuperar e subir 3% em um intervalo de três pregões. O dólar disparou ante o real. A pergunta passou a ser se a bolsa brasileira, já pressionada pelo juro alto daqui, pode se recuperar ou se o momento é de se afastar do preção das ações. A resposta está na intensidade com que o tarifaço vai afetar a economia americana.
Se ocorrer uma leve desaceleração da economia dos Estados Unidos, combinada a uma redução nos juros, a bolsa brasileira se torna atraente para a realocação de capital dos estrangeiros, já que oferece boa liquidez e ativos baratos quando comparada às de outros emergentes. Para os investidores, esse seria o momento de buscar as “pechinchas” na B3, seja de nomes tradicionais, seja de empresas de menor capitalização e bom potencial de crescimento.
Há, contudo, outra carta na mesa: a recessão severa. Se a economia americana afundar e levar consigo outros países, isso deverá representar mais um risco do que um alento para as empresas listadas na bolsa. Um choque abrupto nas cadeias de produção globais pode desequilibrar a oferta e a demanda, em um contexto em que os investidores vão continuar buscando ativos considerados seguros — círculo do qual o Brasil não faz parte. Nesse cenário, mesmo uma eventual redução de juros pelo Federal Reserve, o banco central americano, para reacender a atividade, não serviria de trampolim para os estrangeiros realocarem recursos em países com maior retorno potencial. “Quando a redução de juros se dá por causa de risco de recessão ou estagflação (inflação com estagnação), temos um cenário muito diferente para o Brasil”, diz Cesar Mikail, gestor de renda variável da corretora americana Western Asset, que administra 40 bilhões de reais no Brasil. Para Mikail, as empresas brasileiras, em especial as industriais e exportadoras para a China, sofrerão nesse cenário, ofuscando a atratividade da bolsa. E, de início, os números parecem referendar um ambiente obscuro: até o dia 11 de abril, os estrangeiros haviam sacado 8,7 bilhões de reais da bolsa brasileira.

Opção pelo doméstico
No meio do tiroteio, os gestores seguem defendendo o potencial de ganhos relevantes oferecido pelos papéis de boas companhias disponíveis a preços módicos. A escolha dos setores deve atender ao critério da proteção contra turbulências externas. “Empresas como WEG e Embraer podem sofrer alguma pressão na receita e nas margens de lucro, assim como o setor de siderurgia, por causa da ampliação da oferta de aço no mercado global”, afirma Victor Penna, gerente de pesquisa do banco BB Investimentos. Mas não faltam opções mais seguras. “Reduzimos a posição no fundo de algumas empresas de commodities e industriais e aumentamos a exposição em empresas domésticas”, diz Daniel Utsch, gestor de ações da Nero Capital. Ele também passou a olhar mais de perto para as empresas do setor de proteína, além de companhias de consumo, construção civil e educação.
O conceito de “barato” das ações da bolsa se refere à relação entre o lucro que uma empresa entrega e o valor pelo qual o papel é negociado. Quanto menor essa razão, mais o ativo está “descontado”, no jargão do mercado. Ou seja, o preço da ação não está refletindo o lucro gerado pela companhia. É nesse estágio que se encontra o Ibovespa: abaixo da média dos últimos dez anos, segundo Ricardo Peretti, estrategista de ações da Santander Corretora.

Esses foram exatamente os ventos que trouxeram para o Brasil o dinheiro do exterior em fevereiro e março, quando as tarifas de Trump estavam no horizonte, mas não na mesa. Pelo lado negativo, o movimento do capital externo foi apenas “oportunístico”, aproveitando os preços baixos dos papéis, mas com pouco ou nenhum interesse além disso. “Não foi um investimento de longo prazo”, diz Michel Frankfurt, chefe da corretora do banco Scotiabank Brasil. A B3 certamente oferece hoje ações excelentes aos que sabem garimpar. A maior dúvida — ainda sem resposta — é o risco que os investidores aceitarão assumir para se dedicar a essa tarefa.
Publicado em VEJA, abril de 2025, edição VEJA Negócios nº 13